A situação financeira das empresas aéreas, que até hoje não se recuperaram do período mais agudo da pandemia de Covid-19, tem sido motivo de preocupa
A situação financeira das empresas aéreas, que até hoje não se recuperaram do período mais agudo da pandemia de Covid-19, tem sido motivo de preocupação dentro do governo.
No fim de janeiro, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, afirmou que o Executivo está “atento” ao momento delicado das aéreas e estuda criar um fundo de até R$ 6 bilhões para reduzir o endividamento.
Em novo sinal das dificuldades do setor, a Gol entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos um dia depois das declarações de Costa Filho. Em anos anteriores, Latam e Avianca também haviam recorrido à Justiça para sanar dívidas.
Para explicar o momento das empresas aéreas e as estratégias do governo, esta reportagem vai abordar:
Por que as finanças das aéreas importam para o governo?
Quais são as soluções estudadas?
Por que as empresas estão envidadas?
Como são compostos os custos do setor
As finanças das empresas aéreas importam para o governo porque, assim como os demais modais de transporte (ferroviário e rodoviário, por exemplo), o setor de aviação tem relação com o desenvolvimento econômico do país. Além disso, há o impacto que o cancelamento de passagens tem sobre a opinião pública.
“Toda vez que fazemos uma nova operação –abre-se uma base, liga-se destino a outras origens—estamos desenvolvendo com isso não só uma rota aérea, e sim uma série de serviços que são impactados direta e indiretamente por conta do transporte aéreo”, afirma a presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro.
Já o professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) Alessandro Oliveira afirma que o interesse se justifica pela opinião pública.
“Se uma empresa aérea quebra de uma hora para outra –isso nunca acontece de uma hora para outra, o mercado vai sabendo–, mas pode acontecer de ficarem centenas de milhares de passageiros sem passagem aérea, sem poder viajar. Isso é um problema público, um problema sério para o governo porque vai ter que lidar com a opinião pública”, afirma Oliveira.
O professor frisa que, no momento, esse não é o caso da Gol. Apesar de recorrer à Justiça por causa das dívidas, a empresa mantém suas operações normalmente.
A ideia do governo é criar um fundo que funcionará como garantia para as empresas aéreas na hora de renegociar suas dívidas ou pedir empréstimos. Também se estuda a concessão de empréstimos às empresas.
Interlocutores do setor disseram ao g1 que a proposta ainda não está fechada, mas o governo estuda duas opções:
Fundo Nacional da Aviação Civil (FNAC);
Fundo garantidor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O FNAC conta com R$ 7 bilhões. É um fundo voltado para a infraestrutura portuária, cujas receitas provêm principalmente de aportes das concessionárias de aeroportos.
Contudo, o fundo tem natureza contábil e financeira com aportes em conta única do Tesouro Nacional. Ou seja, os valores estão depositados na conta do Tesouro e se “misturam” aos recursos usados para outras despesas. Ajudam, assim, a compor as receitas do governo para o cumprimento da meta fiscal.
O especialista em Direito Público, Henrique Silveira, explica que, como o fundo é voltado para a infraestrutura, seria necessária uma alteração legal para destinar parte desses recursos para as empresas. Além disso, para conceder empréstimos, por exemplo, seria preciso mudar a lei orçamentária de 2024.
Silveira argumenta que, na pandemia, o FNAC já foi alterado para a garantia ou concessão de empréstimos. Mas isso não foi concretizado porque “os procedimentos necessários não foram estabelecidos e tal utilização não foi prevista na lei orçamentária
Outra medida estudada seria abrir linhas do BNDES. O banco de desenvolvimento já tem fundos para esse tipo de política, mas nenhum voltado para a aviação civil.
Ao g1, o Ministério de Portos e Aeroportos afirmou que “está trabalhando em conjunto com o Ministério da Fazenda para a construção do melhor modelo de operação visando atacar o problema da dificuldade de acesso a crédito enfrentado pelas empresas aéreas”.
A pasta confirmou que a utilização do FNAC é uma das medidas estudadas, mas que elas “não se restringem à utilização do Fundo”.
Por que as empresas estão endividadas?
Segundo a presidente da Abear, por causa dos efeitos da pandemia, as empresas aéreas acumulam um prejuízo de cerca de R$ 45 bilhões. Uma ajuda governamental, defende Monteiro, poderia incentivar a retomada dos investimentos e crescimento do setor.
O endividamento é um motor de crescimento e investimento das companhias. “O que acontece é que, como o setor é muito vulnerável a choques na economia, muitas vezes o crescimento esperado não acontece, ainda mais num país emergente como o Brasil”, explica o professor do ITA.
As empresas ainda sentem os reflexos da pandemia de Covid-19. Segundo Oliveira, as companhias tiveram que financiar operações ociosas, como arrendamento das aeronaves e salários, sem uma demanda por passagens aéreas que pudesse arcar com essas despesas.
“Parte da dívida também é advinda de uma expectativa de crescimento em um período [2020], mas aí justamente veio a pandemia. Não houve crescimento algum”, afirmou.
Quais são os custos do setor?
Monteiro, da Abear, afirma que 60% dos custos do setor aéreo estão relacionados ao dólar. Esses custos abarcam o arrendamento e manutenção das aeronaves, além do querosene de aviação (QAV) –que depende da cotação do petróleo no mercado internacional.
“Nesses itens de composição de custo, o item que mais pesa é o combustível”, diz a presidente da Abear.
Questionado por jornalistas na última semana, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que o governo deve ter uma “discussão rigorosa” com a Petrobras sobre o preço do QAV.
“A Petrobras, por ser quase que a monopolista do QAV no Brasil, a discussão com ela deve ser mais rigorosa”, afirmou.
Contudo, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse que a companhia não vai diminuir o preço das passagens para ajudar as companhias aéreas.
Além de uma eventual mudança na precificação da Petrobras, a redução de impostos no QAV também é apontada como uma medida que poderia reduzir o custo das aéreas. Como mostrou o g1, o Ministério da Fazenda não planeja uma nova rodada de desoneração em 2024.
Monteiro também cita o custo de judicialização do setor, que deve ser de mais de R$ 1 bilhão neste ano. A judicialização se refere a ações que as empresas precisam responder na Justiça.
“As empresas têm que prever esse recurso de custo e isso tem impacto”, afirma.
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