Perfumes, eletrônicos, pneus, roupas, móveis — tudo circula por ali sem controle. E o pior: muitas vezes junto com armas, drogas e veículos roubados.
Numa visita recente à fronteira entre Foz do Iguaçu (PR) e Ciudad del Este, no Paraguai, lideranças empresariais de Manaus testemunharam algo que, embora sabido, ainda é subestimado em sua gravidade: o Brasil trata essa fronteira como se fosse apenas mais uma divisa estadual. E é ali, diante dos olhos abertos e ao mesmo tempo cegos do poder público brasileiro, que floresce a verdadeira Zona Franca do país. Uma zona livre de tributos, livre de fiscalização, livre de leis — e, portanto, livre para o crime.
Enquanto a Zona Franca de Manaus, um modelo fiscal e industrial construído com base em critérios de desenvolvimento regional, proteção da floresta e geração de empregos legais, é alvo de constantes ataques e revisões, Ciudad del Este opera sem amarras. Por lá não se cobra ICMS, IPI, PIS, COFINS, e nem as novas siglas da reforma tributária brasileira — IBS e CBS — se atrevem a atravessar a ponte da discórdia.
O contraste é estarrecedor. Manaus, mesmo sendo parte de um projeto constitucionalmente amparado, precisa se justificar todos os dias perante Brasília. Nossos empresários são fiscalizados com lupa. Já do outro lado da fronteira, o convite é escancarado: quer vender para o Brasil sem pagar imposto? Instale-se em Ciudad del Este.
E os números impressionam. Mais de 350 hotéis em Foz do Iguaçu estão exclusivamente voltados para o turismo de compras. Centenas de milhares de brasileiros atravessam aquela fronteira todos os meses em busca de produtos importados, baratos, quase sempre sem nota fiscal, muitas vezes sem qualidade ou garantia. Perfumes, eletrônicos, pneus, roupas, móveis — tudo circula por ali sem controle. E o pior: muitas vezes junto com armas, drogas e veículos roubados.
Segundo dados da pesquisa do ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), o contrabando e a evasão de divisas nas fronteiras brasileiras já causam um rombo bilionário na economia nacional, comprometendo arrecadação, empregos, segurança pública e competitividade. A indústria nacional, acuada, perde espaço para mercadorias ilícitas. O comércio local, especialmente nas regiões mais distantes dos grandes centros, é sufocado pela concorrência predatória dos produtos contrabandeados. A violência se alastra.
Não é só uma questão econômica. É uma questão de soberania.
E é esse o paradoxo que devemos escancarar: enquanto o cidadão amazonense que retorna do exterior é obrigado a pagar impostos rigorosamente se ultrapassar a cota de 500 dólares, o brasileiro que atravessa a fronteira terrestre em direção ao Paraguai sai de lá com sacolas e malas abarrotadas sem qualquer fiscalização relevante. Essa permissividade é inaceitável.
Nós, do comércio brasileiro, em especial do Amazonas, que tanto lutamos para manter um modelo legítimo de incentivos fiscais como a Zona Franca de Manaus, que gera empregos formais, exporta tecnologia, preserva a floresta e contribui com o desenvolvimento da Amazônia, exigimos do Estado brasileiro o mesmo rigor para com o que ocorre nas fronteiras terrestres do Sul do país.
O Brasil precisa urgentemente encarar essa realidade com seriedade. A omissão é cara, injusta e perigosa. A Zona Franca de Manaus deixou de ser há muito tempo área de livre comércio. Hoje, sua economia coloca o Amazonas entre os oito estados que mais recolhe tributos à Receita Federal de acordo com a Fundação Getúlio Vargas. A verdadeira Zona Franca, aquela que prejudica o país, está instalada em Ciudad del Este. E contra essa, infelizmente, o governo tem se mostrado complacente, quando não cúmplice.
Estamos com foco no fato.