O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou nesta quinta-feira uma manifestação rebatendo os argumentos apresentados pelas defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros investigados em resposta à denúncia sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado. Gonet defendeu a rejeição dos argumentos apresentados e o recebimento da denúncia.
Gonet afirmou que a “denúncia descreve de forma pormenorizada os fatos delituosos e as suas circunstâncias” e defendeu que seja aceita. A análise será feita pela Primeira Turma do STF. Caso a denúncia seja recebida, os investigados irão se tornar réus.
Agora, cabe ao relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, liberar o processo para julgamento. Depois, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, vai definir uma data.
A PGR ressaltou que alguns dos argumentos apresentados pela defesa já foram rejeitados pela Corte em outros momentos, como a alegação de parcialidade de Moraes para relatar o caso.
“O plenário do Supremo Tribunal Federal já analisou a alegação de parcialidade do eminente Ministro Relator, após a apresentação do Relatório Final das investigações pela Polícia Federal, e negou seguimento à pretensão”, afirmou.
Outro ponto rebatido por Gonet foi o pedido de anulação do acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. O procurador-geral afirma que o acordo foi validado pelo STF e que “não há fato novo que justifique a alteração desse entendimento”.
A PGR ainda citou o julgamento que alterou as regras do foro privilegiado, concluído nesta semana, para defender que a investigação deve tramitar no STF. Os ministros definiram que a competência da Corte continua mesmo após o fim do mandato de uma autoridade.
De acordo com a acusação, Bolsonaro e os outros 33 investigados cometeram os crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição do estado democrático de direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
No sábado, o relator do caso, Moraes, havia solicitado a manifestação da PGR em relação às respostas apresentadas à denúncia.
Gonet respondeu, de forma conjunta, aos argumentos apresentados pelos oito investigados que fazem parte do chamado “núcleo central” da suposta organização criminosa. A PGR fatiou a denúncia em cinco núcleos, para facilitar a análise.
Além de Bolsonaro, estão nesse primeiro grupo quatro ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Anderson Torres (Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, atual deputado federal. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também foi colocado nesse núcleo.
Vejas os argumentos de Gonet:
- Competência do plenário: as defesas de alguns denunciados argumentaram que a Primeira Turma não deveria ser o local onde a trama golpista será julgada. O colegiado conta com cinco ministros, em detrimento do plenário, que conta com os 11 integrantes do STF. Segundo os advogados, a dimensão do caso e a participação de um ex-presidente atrairiam a competência do pleno. Gonet, contudo, relembra que, em dezembro de 2023, o regimento interno do STF mudou para estabelecer, como regra, a competência das Turmas para o julgamento das ações penais. “A percepção subjetiva dos denunciados sobre a relevância da imputação não é motivo suficiente para a superação da norma regimental, que possui força de lei, sob pena de insegurança jurídica e violação ao princípio da isonomia”, disse.
- Parcialidade de Moraes: os advogados dos denunciados também alegaram que o relator da trama, ministro Alexandre de Moraes, seria parcial e, por isso, não poderia seguir à frente do processo — sendo declarado impedido ou suspeito. Gonet apontou razões técnicas sobre a inadequação do pedido e lembrou que o plenário do Supremo já analisou a alegação de parcialidade de Moraes.
- Fatiamento da denúncia: A divisão em núcleos da denúncia da PGR contra as 34 pessoas acusadas na trama golpista também foi questionada por algumas defesas, que alegam “violação ao princípio da indivisibilidade”. Segundo Gonet, o desmembramento das peças acusatórias é uma “matéria há muito superada pelo Supremo Tribunal Federal”.
- “Document dump”: O procurador-geral da República também rebateu o argumento apresentado pela defesa do ex-presidente sobre uma alegada prática por parte do STF e da PGR de “document dump”– excesso de documentos apresentados de forma desordenada. Para ele, o volume do material corresponde à complexidade do caso e da acusação e, por isso, a queixa é “vazia”.
- Anulação da delação de Cid: Advogados de alguns dos denunciados pediram que o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, fosse anulado. As defesas argumentam que a delação apresenta uma série de mudanças em versões e apontam uma suposta falta de vontade de Cid. O procurador-geral, contudo, afirma que o acordo foi validado pelo STF e que “não há fato novo que justifique a alteração desse entendimento”. Ainda segundo Gonet, “é expressivo” que Cid “haja pleiteado a manutenção de todos termos ajustados no seu acordo, reforçando a voluntariedade da pactuação e o seu compromisso com o cumprimento das cláusulas estabelecidas”.
Por que Bolsonaro foi denunciado pela PGR?
Segundo a PGR, Bolsonaro “liderou” organização criminosa que tentou golpe de Estado. “A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder”, escreveu Gonet, na denúncia.
De acordo com a PGR, a suposta organização criminosa estava “enraizada na própria estrutura do Estado” e tinha “forte influência de setores militares”.
Investigação
Em novembro de 2024, Bolsonaro e outras 39 pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal. Ao formalizar a acusação, a PGR não denunciou todos os nomes apontados pela PF. O ex-presidente nega as acusações.
— Você já viu a minuta do golpe? Não viu. Viu a delação do Mauro Cid? Não viu. A frase mais emblemática, tem uns 30 dias mais ou menos, um amigo que deixei em Israel falou o seguinte: “Que golpe é esse que o Mossad não estava sabendo?” Nenhuma preocupação com essa denúncia, zero — disse Bolsonaro nesta tarde em visita ao Senado.
A investigação lista provas que, para a PGR, comprovam que ele analisou e pediu alterações no texto de uma minuta golpista. Entre as propostas aventadas nesse texto estava a possibilidade de prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Conforme as apurações, Bolsonaro pediu para retirar os nomes de Gilmar e Pacheco da minuta.
A prisão das autoridades faria parte de um plano para interferir nas eleições de 2022 e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, na visão de Bolsonaro, teria tomado decisões “inconstitucionais” em desfavor dele. Neste contexto, as Forças Armadas seriam acionadas e agiriam como um “poder moderador”, com o objetivo de reverter o resultado eleitoral.